Quarentena

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É estranho como, subitamente, os problemas pessoais ficaram pequenos diante de um problema que atinge o mundo. O que é meu sobrepeso perto das aflições de fechamentos de fronteira? O que são as decepções amorosas perto de quem não consegue voltar para casa?

Essa falta de data para se saber o desfecho das coisas, essa quebra de rotina que, por força maior, nos faz cancelar compromissos, rotinas e ficar em casa, tem me feito questionar toda a correria dos dias. Por que tanta pressa?

Da noite para o dia, de repente, fomos todos obrigados a cuidar. Cuidar de nós mesmos e dos outros. Seja ficando em quarentena, seja lavando as mãos, seja repensando a alimentação e suplementação para intensificar a imunidade, seja aproveitando todas as artes com mais tempo.

Eu me recuso a deixar que os pensamentos fiquem presos só na parte negativa desse cenário que mais parece um episódio de uma série apocalíptica. Sabe aquele ditado: “depois da tempestade, sempre vem o Sol”? É triste que tenhamos que passar por uma epidemia para compreender que somos frágeis, sensíveis e humanos, mas é a primeira vez que vejo tantos chefes de estado repensando as ações para um bem comum. Quem ainda não repensou os próprios hábitos, não percebeu o chamado do universo para darmos uma pausa.

Se cuidem e aproveitem o tempo ocioso para apreciar a arte: ela aproxima as pessoas e povos. Usem a imaginação para sair de casa sem sair do lugar. Os livros, os filmes, e as músicas serão grandes companheiros agora.

 

Eu primeiro

Eu_primeiro

A ajuda veio de um lugar inusitado, mas veio. De repente, uma frase simples e recorrente ressoou mais forte e voltei a ver o meu caminho sem a névoa infinita que me sondava. Eu estava bem ali no meio do labirinto quando dei de cara com um espelho que me lembrou do caminho de volta.

“Você primeiro” – eu me disse no reflexo e sorri. Abri os arbustos e achei graça da minha desmemória que me fez ficar presa ali naquele espaço pequeno por tanto tempo sendo que eu sabia muito bem o que fazer. Secretamente eu sei que foi necessário, mas decidi não questionar mais e abraçar o que agora é cicatriz e não mais ferida exposta.

Eu primeiro. Quantas vezes for necessário até que eu nunca mais esqueça que sem isso os arbustos voltam a me fechar. Eu corri feliz, com os cabelos voando, sentindo todo o frescor do vento batendo nas minhas bochechas quentes, até que eu estivesse bem longe dali.

Sentada nessa pedra, admirando a paisagem, apoiada nos joelhos e com o sorriso frouxo, estou assistindo a paz da cura me inundar inteira.
Não é engraçado como ser livre traz até a voz de volta?

A culpa

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Foto: Thaís Marin

Hoje de manhã recebi uma mensagem de uma amiga que estava se sentindo culpada por ter terminado o namoro e estar bem enquanto o ex ainda está sofrendo. Ela não é a primeira mulher que ouço dizer isso e, provavelmente, não será a última. Eu mesma também já estive nesse lugar e, recentemente, me peguei mais preocupada com os sentimentos alheios do que com os meus próprios, mesmo em se tratando de uma pessoa que me magoou profundamente.
Por que nos sentimos assim? Eu tenho a sensação de que nós mulheres nos sentimos culpadas o tempo todo. É como se a responsabilidade do bem-estar do mundo fosse única e exclusivamente nossa. A culpa está presente quando eu resolvo comer uma salada, quando o que eu queria mesmo era um hambúrguer, mas a culpa também está presente se eu resolvo escolher o hambúrguer e não a salada. A culpa está presente se eu trabalhei até tarde e não tive energia para cozinhar à noite, e a culpa está presente se eu resolvi sair mais cedo do trabalho porque precisava limpar a casa. A culpa hoje está presente por não ter conseguido chegar no trabalho por causa da chuva.
A culpa está presente nas minhas amigas em todos os relatos. Elas se sentem fora do peso constantemente: gordas ou magras demais. A culpa está presente para além da imagem do corpo também, nós sentimos constantemente uma necessidade de equilibrar ambientes hostis, de cuidar dos outros e de tentar agradar. Mulher tem que ser bonita, tem que ser inteligente, mas não pode falar demais, não pode ser inteligente demais, não pode ser quieta demais, não pode gritar, não pode reclamar, não pode ser mais bem-sucedida que o parceiro, precisa saber cozinhar, precisa querer ter filhos, mas não pode ser “só dona de casa”.
Entre outras mil coisas, a gente é ensinada desde pequena que precisa dar conta de absolutamente tudo e que isso faz de nós grandes guerreiras. Romantizam a exaustão. Para além de tudo isso, nós estamos sempre mais dispostas a falar sobre sentimentos, a refletir sobre nossas próprias dores e amores, a olhar para dentro, a nos questionar e a tentar compreender o outro. Porque a gente sempre se coloca no lugar do outro.
Eu tenho a impressão de que essa habilidade de ser a gente e também o outro (quase que ao mesmo tempo) é justamente o que traz a sensação de ter o mundo nos ombros. E esse peso constante dói. Cansa. Nós precisamos aprender que ser apenas nós mesmas já é trabalho demais. Não que o exercício de empatia precise ser deixado de lado, mas sinto que deveríamos transformar todo esse cuidado com o outro em compaixão por nós mesmas. Em amor-próprio. Em auto-cuidado.
A maioria das mulheres ao meu redor são sempre admiráveis e me esforço para dizer isso para elas sempre que posso, porque eu sei que com a correria do dia-a-dia a gente tende a esquecer as próprias qualidades, mas hoje eu só queria dizer que é perfeitamente normal não dar conta. Que é perfeitamente normal precisar de ajuda, e que o bem-estar do mundo e os sentimentos dos homens não são nossa responsabilidade.