Laços

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Eu não ando muito boa nas minhas seleções de livros, mas por sorte vivo rodeada por pessoas que também amam ler e têm sempre ótimas indicações. Li esses dias que grande parte do que torna um livro bom, é o momento em que o estamos lendo e acredito muito nisso. Quantas vezes comecei a ler um livro e larguei, e meses ou anos depois devorei o mesmo livro em poucos dias?

No ano passado, a Gabi que trabalha comigo, comentou sobre dois livros, mas que tinham três histórias. Cada livro com a sua e um mistério por trás dos dois. Fiquei curiosa. “Dias de abandono” é um romance da autora Elena Ferrante que conta a história de uma mulher que acabou de ser abandonada pelo marido. Sozinha com os dois filhos e o cachorro, a personagem se entrega completamente ao sentimento da traição e demonstra de forma visceral o fundo do poço em que podemos chegar ao confiar nossos sonhos e expectativas nos outros.  É um livro que mexe com o estômago e, ao mesmo tempo, faz com que nos imaginemos nessa mesma situação, questionando as nossas próprias reações. Será mesmo que podemos julgar a loucura dos outros?

Já “Laços”, do autor Domenico Starnone, conta a história de um homem casado há 50 anos que, ao retornar de férias com a esposa, encontra a própria casa completamente revirada. Enquanto tenta arrumar as poucas coisas que não foram destruídas, encontra as cartas de sua esposa, de um período em que ele a havia abandonado quando era mais jovem.

A forma como os dois livros se completam é bastante impressionante. Nos dois enredos há a figura do pai, da mãe, dos filhos e de um animal de estimação. E por mais que os nomes dos personagens não sejam os mesmos, as semelhanças que permeiam as histórias deixam a gente com a pulga atrás da orelha. É como se um livro fosse uma resposta ao outro, e há muitos detalhes que se entrelaçam para que a gente acredite que se trate apenas de uma grande coincidência.

Em “Dias de abandono”, por exemplo, há uma cena muito bonita em que a personagem não consegue se reconhecer ao olhar para algumas fotos antigas de si. E em “Laços” há um momento em que o marido encontra fotos antigas da esposa e já não consegue ver essa mesma pessoa na cama ao lado.

Ninguém sabe ao certo a verdadeira identidade da autora Elena Ferrante, mas suspeita-se que ela seja, justamente, a esposa do autor Domenico Starnone. Sendo ou não sendo o caso, o que mais me impressiona nos dois livros é a capacidade de escrita e a facilidade como os autores nos transportam para o lugar do outro e em tempos completamente diferentes de uma mesma história.

Acho que esses livros me encontraram no momento mais certo. Ser humano é ser complexo; e decidir se relacionar com alguém é sempre uma escolha que vem carregada de riscos. Infelizmente, não se pode viver intensamente os momentos bons, sem que lá no fundo exista a possibilidade de que tudo acabe a qualquer instante. As pessoas são diferentes, cada uma com a sua crença, desejo e perspectiva.

Às vezes temos a sorte de escolher estar com quem se assemelha às nossas vontades, e às vezes projetamos no outro sonhos que não são compartilhados. Resta a cada um aprender a lidar com a dor da desilusão.

Como se encontrar na escrita

Como se encontrar na escrita

Comprei esse livro durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro do ano passado, mas ele foi parar bem embaixo da pilha dos demais livros que vieram com ele.
Foi indicação de uma amiga que também é editora de livros. Eu (que geralmente sou super organizada e tenho listas e agenda para quase tudo) nunca consegui seguir minhas próprias programações de leitura. Costumo ler conforme o meu humor e acabo deixando muitos clássicos de lado por conta disso. Se eu me sinto culpada por trabalhar com livros e não ter lido vários clássicos? Com certeza. Mas as minhas culpas serão inspiração para outros textos e hoje esse não é o foco.

É bem possível que se eu não tivesse começado a ler esse livro no dia 31 de dezembro, o blog não teria voltado à vida tão cedo. Por alguns meses, sempre que meu olhar encontrava esse livro, desistia de começar por pensar que seria uma leitura bastante técnica e não era o que eu queria naquele momento. Ao mesmo tempo, faz alguns meses que eu queria voltar a ter um blog e não sabia por onde recomeçar.

Ah, se eu soubesse que uma coisa teria salvado a outra! A autora, Ana Holanda, é editora-chefe da revista Vida Simples e escolheu o sub-título do livro muito bem “O caminho para despertar a escrita afetuosa em você”. E eu estou completamente encantada pelo conceito de “escrita afetuosa”.
É quase como se, de repente, todos os meus livros favoritos tivessem encontrado uma família. E os meus textos favoritos também. Escrever com afeto é escrever para afetar. E eu amo os textos que tem o cuidado de querer se conectar com o outro. Para mim, se não for assim, não tem sentido. Preciso me emocionar.

Mas mais do que isso, é um livro que faz a gente voltar a apreciar o comum. A estar mais atento aos detalhes da vida que não é (sempre) extraordinária. Ensina a não ficar esperando os grandes eventos e a absorver a poesia discreta que existe em cada história. Em cada pequeno momento do dia.
Desde pequena, meu pai sempre me ensinou que eu não podia rabiscar livros. E assim eu segui durante muito tempo. Anos depois, na faculdade, um professor me disse que amava grifar os livros que, para além de facilitar o encontro de trechos favoritos depois, era como se ele tivesse dormido com o livro e assim ele deixaria marcas no livro, como livro tinha feito com ele. Nunca esqueci disso.

Contei essa história no ano passado no Instagram e aproveitei para fazer uma enquete sobre quem grifava ou não os textos. Recebi tantos depoimentos bonitos com as justificativas para ambas as opiniões! Há quem diga que o livro vai sempre parar na mão de outra pessoa e que não é justo que a primeira impressão seja afetada pelo nosso ponto de vista. Há quem diga que encontrar trechos grifados só aumenta a quantidade de histórias para serem absorvidas.

Contei isso para dizer que o meu exemplar deste livro está todinho cheio de marcas, porque sinto que vou querer voltar para ele algumas vezes. É um desses livros que tocam profundamente e acordam a gente de um período apático, anestesiado. Recomendo muito para quem gosta de escrever ou para quem quer voltar a perceber os pequenos prazeres da vida comum.