A gorda

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Um dos meus objetivos quando voltei com o blog era fazer mais resenhas de livros. Além de poder falar sobre um dos meus assuntos favoritos, encontrei também uma forma de me manter regrada nas minhas leituras. O plano inicial era ler um livro por semana, mas o livro que estou lendo agora tem uma linguagem um pouco mais antiga e a leitura acaba sendo um pouco mais lenta. É normal e sei que a velocidade de leitura varia de livro para livro, mas enquanto essa resenha ainda não pode ser escrita, resolvi falar de alguns outros títulos que li recentemente e que mexeram comigo.

Comprei o livro A gorda da autora Isabela Figueiredo na última Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Essa capa e título já tinham me chamado a atenção em alguns outros momentos, mas só dessa vez me convenci a comprar.

Uma das coisas que mais me atraiu no livro, foi um parágrafo da orelha: “Maria Luísa, a protagonista deste romance tão engraçado quanto cruel,  é uma moça inteligente, boa aluna, voluntariosa e dona de uma forte personalidade. Porém, ela é gorda. E inapelavelmente gorda. Essa característica física a incomoda de tal maneira que parece colocar todo o resto em xeque: sua relação com o mundo, sua vida sentimental (a relação complicada com David, seu primeiro amor) e sua atitude diante dos fatos.”

Eu já contei aqui no blog um pouco dos meus problemas de aceitação com o meu próprio corpo e quando bati os olhos nessa frase pensei que ia mergulhar num texto incrível e com milhões de referências em que eu me sentiria abraçada por ter encontrado semelhanças de angústias que vivo constantemente! E não foi bem por aí…

Infelizmente, não consegui me identificar tanto com a personagem quando eu gostaria. Sim, ela é gorda, sim, ela sofre preconceitos e pressões da família e amigos em relação a isso, mas não senti que esse era, de verdade, o problema principal que bloqueava a vida da Maria Luísa. Na verdade, senti durante toda a leitura, que o que empatava realmente a vida dela era um amor mal resolvido. Por levar um título tão forte como “A gorda”, eu esperava ter encontrado mais reflexões pessoais da personagem em relação as inseguranças com o próprio corpo e como isso, de fato, afetava a visão de mundo dela.

Independente das expectativas que eu criei,  a autora tem uma capacidade de escrita bastante impressionante e consegue contar toda a história e pensamentos da personagem em fragmentos não-lineares. Ela flutua na linha cronológica de uma forma muito segura, sem medo de ir e voltar quantas vezes achar necessário e não é todo dia que me deparo com textos tão bem desenvolvidos assim.

É um livro que definitivamente vale a leitura, principalmente pela narrativa! Além disso, a edição da Todavia também está impecável: diagramação gostosa e confortável, e um papel que eu amo de paixão e que deixa o livro bem levinho para quem também gosta de ler no metrô.

Pontes

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Esse é o terceiro texto que começo essa noite.

O primeiro era íntimo demais e senti que não era o momento de expor o assunto. O segundo era um devaneio sobre o presente ser uma mentira e nós só vivermos realmente o passado e o futuro. Nenhum dois dois estava bom como eu queria. Fechei o computador, guardei tudo e decidi que segunda-feira não teria texto no blog simplesmente porque não me senti capaz de escrever.

Rolei na cama por quinze minutos, e enquanto mexia no celular vi algumas citações aleatórias de textos que mexeram comigo e lá fui eu buscar o computador e começar tudo de novo. Tentei pensar em todas as coisas que eu estava planejando fazer no começo do ano e que precisaram ser adiadas porque eu fiquei doente. Será que é o meu corpo me dizendo para mudar de planos? Ou será que e só o meu corpo dizendo que eu ainda não me curei de outras coisas para viver as próximas que quero viver?

De alguma forma, acho que os dois textos que escrevi antes estarão misturados aqui porque eu queria mesmo era falar sobre o processo de cura. Talvez eu tenha uma ferida que não está tão cicatrizada quanto achei que estivesse. E tudo bem. Às vezes está tudo bem não estar tudo bem. Eu preciso me respeitar.

Algumas conexões são mais profundas do que conseguimos enxergar e criam ligações e caminhos muito enraizados dentro de nós, quase como pontes.

“Ponte: Qualquer tipo de estrutura que estabelece a ligação entre duas partes similares.”

Li essa frase no dicionário e fiquei pensando “Se as partes não forem similares a ponte perde o princípio? Ou ela parte no meio tal qual a corrente de uma bicicleta?”. Eu já vi muitas pontes que não ligavam partes similares, mas todas elas levavam de um lado ao outro para que as duas partes pudessem estar sempre conectadas.

Talvez a nossa ponte não fosse tão firme, e talvez eu soubesse disso desde o início, mas insisti em correr nela de um lado para o outro, muitas vezes e intensamente. Eu gostava dela, mas resolvi pular. E agora é muito estranho me sentir livre e ao mesmo tempo vazia. Como se faltasse uma parte que me preenchia, mas de uma maneira pesada.

Algumas pessoas dizem que o ideal seria que aprendêssemos a viver o presente, mas eu confesso que não sei se sou capaz. Minha imaginação é muito fértil e quando dou por mim já não estou aqui. Ou fui dar uma espiada no passado para, mentalmente, reinterpretar cenas em que o desfecho teria sido diferente, ou estou fantasiando sobre as possibilidades do futuro. Às vezes também vou para o passado só para sentir saudades.

Viver inteiramente do presente, seria ser capaz de viver o que exatamente? O presente não existe. Assim que pensamos nele, um segundo se passou e já estamos no futuro ou no próximo passado, não? Eu gosto de poder estar em outros lugares que não aqui e agora. Gosto de revisitar memórias que significaram tanto e fazem parte de mim. Também gosto de idealizar novos momentos que serão concretizados no futuro.

O que eu não gosto é de descobrir que na cidade das pontes, o final não foi como imaginei. E eu resolvi assistir sozinha porque você pode ser uma pessoa de reticências, mas eu sou de pontos finais.

Fica aqui mais um amor que não existiu.

Mudança de perspectiva

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Às vezes, tudo o que a gente precisa é de uma mudança de perspectiva. Há dias ruins em que sinto como se eu estivesse o tempo inteiro com um filtro de negatividade me cercando e, por mais que me esforce, vejo tudo sem saturação. Opaco. Sem vida.

Por sorte, há sempre outros dias para que eu possa me apegar em algum detalhe que me traga de volta para a vida mais colorida. Há dois anos, quando resolvi comprar meu apartamento, eu imaginava muitas coisas sobre a minha casa dos sonhos. E claro que nem tudo o que eu sonhava em ter naquele momento era o que eu, de fato, tinha condições para pagar, mas como morava com os meus pais e não tinha muita pressa em sair de casa, resolvi que só compraria o apartamento quando eu sentisse aquele friozinho de certeza na barriga.

Tudo aconteceu tão mais rápido do que eu imaginava! Foi de verdade amor à primeira vista: a cozinha aberta, as varandas, a proximidade do metrô, a proximidade da casa dos meus pais, o preço (claro!) e o verde! Como eu amo ter essa vista quando acordo de manhã! Tenho sempre a sensação de que estou de férias em algum lugar mesmo que por alguns breves minutos até lembrar de todas as atividades que eu sempre tenho programadas para o dia.

A vida não tem sido muito fácil nos últimos meses e eu tenho precisado me reinventar quase todos os dias. Remodelar atitudes, repensar ações, rever finanças e reprogramar sonhos. Viver sozinha é ter sempre muitas preocupações, mas às vezes gosto de olhar para toda a minha trajetória e me sinto orgulhosa por ter conquistado praticamente todos os meus sonhos até aqui.

Eu sempre senti demais e percebi demais. Meus sentimentos são quase sempre intensos, mas acho que isso faz parte de tudo o que eu preciso ser para ser tudo o que eu quero ser.

Fiquei doente

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Fiquei doente e não tenho paciência nenhuma para lidar com o meu corpo enquanto ele se recupera. Eu detesto esse grito de socorro, de alerta para “precisamos diminuir o ritmo” quando tudo o que eu queria era justamente acelerar cada vez mais rápido.

Eu tinha vários planos para janeiro e não contava com essa passada de perna em mim mesma. Peguei uma promoção de Black Friday na escola de dança e além das aulas na turma iniciante, estou fazendo também as aulas da turma intermediária. Me programei para atualizar o blog às segundas, quartas e sextas. Me matriculei num workshop de teatro por dois finais de semana seguidos e, além disso, estava fazendo alongamentos religiosamente todas as manhãs e cozinhando minhas próprias comidas para economizar já que a grana tá curta.

Foram 16 dias de sucesso, porque no dia 17 meu corpo começou com uma dorzinha, uma tossezinha, uma febrinha… e eu muito teimosa me arrastei com dor e febre mesmo por dois dias sem querer parar tudo o que estava na minha programação. Eis então que na segunda-feira passada eu não tinha capacidade de levantar da cama. Toma antibiótico e corticoide e o antibiótico não resolve e corre para o médico e troca para um antibiótico mais forte e mais uma dose de acetilcisteína e aqui estou: dopada há 12 dias e contando os últimos 3.

Voltei para dança ontem, mas ainda me sinto cansada, mole, com tosse e lenta. Esse monte de remédio me deixa também um pouco aérea e parece que o cérebro não está 100% alerta e atento como eu gostaria que estivesse. No fundo, eu sei que deveria me respeitar e descansar, mas a verdade é que o maior sentimento agora é de frustração por ter perdido uma semana de dança e não estar conseguindo me recuperar e entrar no ritmo acelerado que eu gosto de viver.

Eu estou inchada, com mais fome que o normal e a minha auto-estima desceu todos os graus que poderia descer. Todos os dias eu me digo para ser forte, mas às vezes, a vontade é de não ser. De desistir. De pedir socorro. E tudo isso só porque eu queria provar para mim mesma tudo o que eu sou capaz.

Como é que a gente faz pra entrar no eixo e alinhar corpo e mente?

Eu não sei

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Foto: Thaís Marin

Hoje é a primeira vez nesse ano que estou com dificuldades para escrever, mas a minha proposta para mim mesma era encarar isso como um desafio e uma prática de escrita, então estou aqui sentada olhando para as teclas do computador há alguns minutos.

Não é que eu não tenha o que dizer, mas o que quer ser dito hoje não pode ser exposto. Eu não sou uma pessoa de muitos segredos, mas às vezes preciso me poupar. Então sobre o que escrever quando não se pode escrever sobre o que se quer escrever?

Pensei em algumas formas de falar sobre o assunto usando metáforas e subtextos, mas não sinto que esse seja o caminho certo. Parei algumas vezes para mexer no celular e procurar outras inspirações, mas só encontrei gatilhos.

Hoje na hora do almoço, estava assistindo a um curto documentário sobre a memória e a meditação. Era um estudo bem interessante sobre como essas duas coisas reagem no cérebro. O que mais me chamou a atenção é como as memórias de tudo o que já vivemos são exatamente a base para que consigamos imaginar o futuro. É como se pegássemos diversas imagens e tentássemos recolocá-las em outra ordem, combinar de outros jeitos, para contar uma nova história.

Será por isso que às vezes sentimos que estamos andando em círculos e ficamos sem conseguir projetar novos cenários? Será por isso que às vezes eu sinto que preciso fechar alguns ciclos e começar do zero? Com imagens novas? Personagens diferentes?

Eu não sei… Tem dias que a minha vontade é não fazer muitos esforços e só admirar a vista enquanto o cérebro fica brincando com esse quebra-cabeça de quem eu era e de quem eu serei.

Estar vivo é não saber como nos sentiremos no dia seguinte.

A mente

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A mente é bastante incontrolável e gosta de pregar algumas peças na gente. Eu adoro o filme “Divertidamente” e todos os conceitos escondidos de forma sutil por trás dele. Aliás, se alguém souber de algum estudo sobre isso, me avise que tenho muita curiosidade em ler. Adoro, particularmente, aquela cena em que as músicas que não saem da cabeça são jogadas na sala de controle para distrair ou espairecer.

Entretanto, ultimamente o que tem pulado na minha sala de controle são memórias que eu não estou muito afim de reviver com saudade por enquanto. Fico me perguntando, afinal, para que me estão jogando essas imagens agora e sempre fora de contexto? Eu já organizei isso antes, pessoal! Não precisam encostar aí, tá? Ou preciso?

Faço terapia semanalmente e acho bastante curioso como às vezes estou me sentindo ótima e, de repente, sem qualquer sinal de aviso, abro uma porta inesperada e instantaneamente já não tenho tantas certezas como tinha poucos minutos antes.

Quantas coisas estão guardadas dentro de nós mesmos e que não acessamos? Se eu tentasse fazer um breve resumo anual de toda a minha vida desde que nasci, será que conseguiria mesmo recapitular tudo? Tem tanta coisa que a gente só vive dentro da própria cabeça e que não está em foto ou em alguma memória compartilhada com os amigos. Mesmo eu, que tenho o hábito de escrever e guardar meus sentimentos sempre que posso, sinto que tanta informação fica espalhada dentro de mim. Sinto que tanto está perdido aqui dentro! Bom seria mesmo que todas as memórias fossem bolinhas de vidro que só precisam ser organizadas em estantes. Bom seria mesmo que de tempos em tempos elas fossem jogadas num abismo para abrir mais espaço para as memórias novas. Mas e aquelas cinzas todas das memórias que já foram queimadas? Eu sinto que essa poeira permanece e deixa sempre um rastro de nostalgia sobre absolutamente todo o nosso ser.

Talvez essa poeira seja justamente a nossa essência. Fragmentos tão pequenos de memórias e sentimentos que já foram remoídos, digeridos, triturados, queimados. E talvez não. Talvez a sala de controle só esteja tentando colocar a casa em ordem e precisa de respostas sobre as memórias que ainda não foram catalogadas: devem virar poeira ou precisam de mais um tempinho na estante?

Laços

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Eu não ando muito boa nas minhas seleções de livros, mas por sorte vivo rodeada por pessoas que também amam ler e têm sempre ótimas indicações. Li esses dias que grande parte do que torna um livro bom, é o momento em que o estamos lendo e acredito muito nisso. Quantas vezes comecei a ler um livro e larguei, e meses ou anos depois devorei o mesmo livro em poucos dias?

No ano passado, a Gabi que trabalha comigo, comentou sobre dois livros, mas que tinham três histórias. Cada livro com a sua e um mistério por trás dos dois. Fiquei curiosa. “Dias de abandono” é um romance da autora Elena Ferrante que conta a história de uma mulher que acabou de ser abandonada pelo marido. Sozinha com os dois filhos e o cachorro, a personagem se entrega completamente ao sentimento da traição e demonstra de forma visceral o fundo do poço em que podemos chegar ao confiar nossos sonhos e expectativas nos outros.  É um livro que mexe com o estômago e, ao mesmo tempo, faz com que nos imaginemos nessa mesma situação, questionando as nossas próprias reações. Será mesmo que podemos julgar a loucura dos outros?

Já “Laços”, do autor Domenico Starnone, conta a história de um homem casado há 50 anos que, ao retornar de férias com a esposa, encontra a própria casa completamente revirada. Enquanto tenta arrumar as poucas coisas que não foram destruídas, encontra as cartas de sua esposa, de um período em que ele a havia abandonado quando era mais jovem.

A forma como os dois livros se completam é bastante impressionante. Nos dois enredos há a figura do pai, da mãe, dos filhos e de um animal de estimação. E por mais que os nomes dos personagens não sejam os mesmos, as semelhanças que permeiam as histórias deixam a gente com a pulga atrás da orelha. É como se um livro fosse uma resposta ao outro, e há muitos detalhes que se entrelaçam para que a gente acredite que se trate apenas de uma grande coincidência.

Em “Dias de abandono”, por exemplo, há uma cena muito bonita em que a personagem não consegue se reconhecer ao olhar para algumas fotos antigas de si. E em “Laços” há um momento em que o marido encontra fotos antigas da esposa e já não consegue ver essa mesma pessoa na cama ao lado.

Ninguém sabe ao certo a verdadeira identidade da autora Elena Ferrante, mas suspeita-se que ela seja, justamente, a esposa do autor Domenico Starnone. Sendo ou não sendo o caso, o que mais me impressiona nos dois livros é a capacidade de escrita e a facilidade como os autores nos transportam para o lugar do outro e em tempos completamente diferentes de uma mesma história.

Acho que esses livros me encontraram no momento mais certo. Ser humano é ser complexo; e decidir se relacionar com alguém é sempre uma escolha que vem carregada de riscos. Infelizmente, não se pode viver intensamente os momentos bons, sem que lá no fundo exista a possibilidade de que tudo acabe a qualquer instante. As pessoas são diferentes, cada uma com a sua crença, desejo e perspectiva.

Às vezes temos a sorte de escolher estar com quem se assemelha às nossas vontades, e às vezes projetamos no outro sonhos que não são compartilhados. Resta a cada um aprender a lidar com a dor da desilusão.

O corpo

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Foto: ₢ Thaís Marin

Eu queria me amar todos os dias, mas nem todos os dias são fáceis para me amar.

Há dias em que o gatilho do ódio ao corpo vem sem dar pistas de que está chegando e uma foto inofensiva é capaz de destruir um muro que demorei meses para levantar. Por quanto tempo mais vai ser assim? Eu me pergunto com mais frequência do que deveria.

Todos os dias eu sonho com o dia em que eu finalmente olharei para o meu corpo com o mesmo orgulho que eu olho para as minhas conquistas. E ao mesmo tempo, eu me questiono por que isso é tão importante para mim. O problema é que quando me pergunto isso, ao invés de tentar encontrar uma resposta, eu volto ao vício eterno de me torturar pelas negativas que já ouvi por não ter o corpo padrão. Negativas de amor dos outros e do meu amor-próprio também.

Os argumentos de ajuda são sempre os mesmos: “não ligue para o que outros pensam”, “você é linda de qualquer jeito”, “não se apegue ao padrão da mídia manipuladora”, “o que importa é a saúde”.

Você já se disse alguma coisa tantas vezes que ela passa a perder o sentido? É justamente assim que absorvo tudo isso. Sem nenhuma compreensão e apreço pelo que essas palavras estavam determinadas a entregar.

No dia a dia, o buraco é mais fundo e a dor se faz constante. Não se pode comprar um shorts branco para a virada do ano sem algum tipo de sofrimento: “desculpa, só temos até o tamanho 42”. No dia a dia, o termômetro bate 35°C e não posso mais esconder meu braço enorme e minha panturrilha desproporcional. No dia a dia, a culpa aperta porque eu me deixei comer um doce depois do almoço. No dia a dia, não há paz. No dia a dia, vem a raiva. Vem a comparação de organismo com aquela amiga que vive de Coca-Cola, mas tem corpo de revista.

Se eu pudesse ter uma conversa com o meu corpo, queria pedir desculpas por tanto olhar de desapontamento no espelho. Queria dizer que mesmo quando eu me deixo levar pelo gatilho, uma parte minha ainda está batalhando pela nossa aceitação, pela nossa harmonia. Queria agradecer pela saúde desses anos todos e por topar o desafio de dançar comigo em cima de um salto. Isso me faz tão feliz!

Mas mais do que isso, eu queria pedir que o meu corpo fosse capaz de abraçar todas as mulheres que eu conheço e que se cobram de alguma forma. Que querem se modificar todos os dias por causa do olhar do outros. E aqui, por um segundo, eu não queria que as palavras perdessem o sentido de tanto serem repetidas, então vou reforçar: todas as mulheres. Todas as mulheres.

“Me amo, me perdoo, me aceito e me liberto” tem sido meu mantra desde o início do ano. Infelizmente, há dias em que os olhares negativos acabam ganhando força, mas sei que é preciso persistir. Nós, tão maravilhosamente guerreiras e sensíveis, não podemos perpetuar essa falta de amor próprio.

Precisamos ser mais gentis.

Precisamos nos olhar com carinho.

Eu odeio o verão

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Odeio o ar quente que insiste em me abraçar e tocar cada pedacinho de pele que só queria respirar e sentir a brisa. Eu sinto que estou sufocando o tempo todo e que o ar não é suficiente. O suor insiste em molhar o meu cabelo, escorrer por lugares inesperados e me deixar excepcionalmente consciente de cada parte do meu corpo. Principalmente daquelas que eu gosto de esconder no inverno.

Não gosto também das chuvas de verão. Surgem de repente, cheias de raiva e prontas para causar o caos. Mas do cheiro de asfalto molhado eu gosto. E gosto de como, mesmo com toda essa imposição, elas vêm para lavar tudo.

Tem dias que eu até sinto que as chuvas e eu estamos emocionalmente conectadas e elas esbravejam e choram por mim toda a água que eu sozinha não consigo chorar. Às vezes sinto que é um choro coletivo de todas as mulheres maravilhosas com quem eu convivo e que estão em processo de se renovar. Nós não temos medo do nosso reflexo na água. Nós gostamos mesmo é de mergulhar nas poças e nadar um pouco lá dentro para conhecer cada canto de nós mesmas.

Hoje, só hoje, eu não tirei o guarda-chuva da bolsa quando saí do metrô enquanto voltava para casa. Senti cada gota escorrer pelo meu corpo, sem mais conseguir perceber o que era suor e o que era chuva. Por alguns minutos, eu não me importei com o meu cabelo. Por alguns minutos não me importei com a pele exposta. Por alguns minutos eu me deixei molhar e mergulhei no cheiro da chuva. Percebi as folhas voando e o céu piscando. E senti que saí da poça em que eu estava explorando nos últimos tempos.

Mas como eu disse no começo: eu odeio o verão.

Como se encontrar na escrita

Como se encontrar na escrita

Comprei esse livro durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro do ano passado, mas ele foi parar bem embaixo da pilha dos demais livros que vieram com ele.
Foi indicação de uma amiga que também é editora de livros. Eu (que geralmente sou super organizada e tenho listas e agenda para quase tudo) nunca consegui seguir minhas próprias programações de leitura. Costumo ler conforme o meu humor e acabo deixando muitos clássicos de lado por conta disso. Se eu me sinto culpada por trabalhar com livros e não ter lido vários clássicos? Com certeza. Mas as minhas culpas serão inspiração para outros textos e hoje esse não é o foco.

É bem possível que se eu não tivesse começado a ler esse livro no dia 31 de dezembro, o blog não teria voltado à vida tão cedo. Por alguns meses, sempre que meu olhar encontrava esse livro, desistia de começar por pensar que seria uma leitura bastante técnica e não era o que eu queria naquele momento. Ao mesmo tempo, faz alguns meses que eu queria voltar a ter um blog e não sabia por onde recomeçar.

Ah, se eu soubesse que uma coisa teria salvado a outra! A autora, Ana Holanda, é editora-chefe da revista Vida Simples e escolheu o sub-título do livro muito bem “O caminho para despertar a escrita afetuosa em você”. E eu estou completamente encantada pelo conceito de “escrita afetuosa”.
É quase como se, de repente, todos os meus livros favoritos tivessem encontrado uma família. E os meus textos favoritos também. Escrever com afeto é escrever para afetar. E eu amo os textos que tem o cuidado de querer se conectar com o outro. Para mim, se não for assim, não tem sentido. Preciso me emocionar.

Mas mais do que isso, é um livro que faz a gente voltar a apreciar o comum. A estar mais atento aos detalhes da vida que não é (sempre) extraordinária. Ensina a não ficar esperando os grandes eventos e a absorver a poesia discreta que existe em cada história. Em cada pequeno momento do dia.
Desde pequena, meu pai sempre me ensinou que eu não podia rabiscar livros. E assim eu segui durante muito tempo. Anos depois, na faculdade, um professor me disse que amava grifar os livros que, para além de facilitar o encontro de trechos favoritos depois, era como se ele tivesse dormido com o livro e assim ele deixaria marcas no livro, como livro tinha feito com ele. Nunca esqueci disso.

Contei essa história no ano passado no Instagram e aproveitei para fazer uma enquete sobre quem grifava ou não os textos. Recebi tantos depoimentos bonitos com as justificativas para ambas as opiniões! Há quem diga que o livro vai sempre parar na mão de outra pessoa e que não é justo que a primeira impressão seja afetada pelo nosso ponto de vista. Há quem diga que encontrar trechos grifados só aumenta a quantidade de histórias para serem absorvidas.

Contei isso para dizer que o meu exemplar deste livro está todinho cheio de marcas, porque sinto que vou querer voltar para ele algumas vezes. É um desses livros que tocam profundamente e acordam a gente de um período apático, anestesiado. Recomendo muito para quem gosta de escrever ou para quem quer voltar a perceber os pequenos prazeres da vida comum.